Metamorfose e mito: da forma e seus limites
Minicurso apresentado por Flávia Regina Marquetti & Wilson A. Ribeiro Jr. durante a XVIII Semana de Estudos Clássicos de Araraquara (Metamorfoses no Mundo Antigo,
Ementa
- As formas do desejo: Cronos, Zeus, Posídon, Deméter, Aqueloo.
- Punição e recompensa: Tirésias, Ácteon, Galatea e Pigmalião, Atalanta, Circe.
- Mudança e fuga: Nereu, Proteu e Tétis; Dáfne, Siringe, Ifigênia, Tereu, Dioniso.
- A metamorfose consolatória: Níobe, Ciparisso, Galateia e Ácis.
- Formas de engano: Héracles, Pasífae, ursas de Brauron e rapazes no culto a Ares, Prétides, Bacantes.
- A metamorfose como origem: os mirmidões, Deucalião e Pirra.
- As formas do sangue derramado: Jacinto, Adônis, Narciso, Átis.
Apresentação e roteiro
A palavra metamorfose, “mudança de forma”, vem do verbo μεταμορφόω, “eu tranformo”. Marca do sobrenatural, do maravilhoso e do fantástico, é um dos
As principais fontes para o estudo das metamorfoses são os documentos iconográficos (cerâmica, relevos, mosaicos, etc.) e a literatura, especialmente a do Período Helenístico em diante. Em Homero, os relatos de metamorfoses são raros; em Hesíodo e Píndaro, um pouco mais frequentes; nos poetas trágicos, pouco mais de vinte relatos podem ser encontrados. Os principais autores tardios são Apolônio de Rodes (séc.
A metamorfose
Para os antigos, a metamorfose era um dos mais importantes aspectos da ação divina; só os deuses podiam metamorfosear a si próprios e aos outros. Os deuses metamorfoseavam-se ou para atingir seus desígnios (Zeus e suas amantes), ou por piedade (Níobe), ou punição (os piratas de Dioniso) ou, ainda, como um sinal para os homens.
As metamorfoses podiam ainda ocorrer de uma outra maneira: através da magia. Exemplos típicos podem ser encontrados no mito de Circe (cf. Odisseia) e do asno Lúcio (cf. textos de Luciano e Apuleio).
O papel das transformações no mito tem sido estudado desde a Antiguidade. Com o advento dos estudos antropológicos do século XIX, esse fenômeno foi considerado evidência de primitivo estágio da religião grega (
Estudos recentes, em especial os de Irving (o.c.), consideram a metamorfose um importante elemento narrativo que, além de ilustrar as mudanças de categoria exigidas pela narrativa mítica, evoca respostas imaginativas, emocionais e torna a história excitante, tocante ou divertida...
Classificação
Muitos dos relatos tardios são “etiológicos”, i.e., explicam a existência de alguma coisa, como uma ave ou uma árvore, ou “terminais”, i.e., marcam o desfecho da história. Um tipo especial de relato terminal, a transformação em estrela ou constelação, é chamado de catasterismo.
Eis uma classificação simplificada das metamorfoses míticas (1) e alguns exemplos:
MAMÍFEROS. Actéon e Calisto, Ió, Licáon, piratas de Dioniso, companheiros de Odisseu, Lúcio (2).
AVES. Filomela e Tereu, Aléctrion, Plêiades (3).
PLANTAS. Fílira, Dafne, Esmirna-Mirra (árvores); Adônis, Jacinto, Narciso (flores).
PEDRA. Níobe, Alcmena, vítimas de Medusa, Cércopes, Licas.
ÁGUA. Ácis, Lâmia.
MUDANÇA DE SEXO. Tirésias, Ceneu (literais); Aquiles, Héracles (
ALTERNADORES DE FORMAS ("shape-shifters").
DIVINIZAÇÕES.
MISCELÂNEA. Egina (ilha), Aracne (aranha), Cadmo e Harmonia (serpentes), espartos e mirmidões (homens), Titono (cigarra), Órion (estrela).
TRANFORMAÇÕES DIVINAS ("pseudo-metamorfoses"). Zeus (nas aventuras amorosas, Deméter (fugindo de Posídon?), Aqueloo.
Textos e imagens selecionadas
- Imagem: Ártemis metamorfoseia Actéon
- Imagem: Io na forma de vaca; Hermes e a morte de Argos
- Imagem: A metamorfose dos piratas Tirrenos
- Imagem: Dafne é transformada em árvore para fugir de Apolo
- Imagem: Héracles segura Nereu na forma de tritão
- Imagem: Ônfale adormecida com traje e armas de Héracles
- Imagem: Peleu segura Tétis durante as metamorfoses
- Texto: O sacrifício de Ifigênia
- Imagem: Héracles atinge a divindade
- Texto: a origem dos mirmidões
- Imagem: Zeus rapta Europa na forma de touro
- Imagem: Zeus seduz Dânae na forma de chuva de ouro
- Imagem: Zeus seduz Leda em forma de cisne
- Imagem: Zeus seduz Calisto na forma de Ártemis
- Imagem: Héracles enfrenta o deus-rio Aqueloo
Leituras recomendadas
APOLODORO. Biblioteca Mitologica. Trad. J.G. Moreno. Madrid: Alianza, 1993.
BURKERT, W. Religião Gega na Época Clássica e Arcaica. Trad.: M.J. Simões Loureiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993.
CAMPBELL, J. As Máscaras de Deus - Mitologia Primitiva. Trad.: C. Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1997.
DOWDEN, K. Os Usos da Mitologia Grega. Trad.: C.K. Moreira. Campinas: Papirus, 1994.
ELIADE, M. Tratado de Historia de las Religiones - Morfología y Dinámica de lo Sagrado. Madrid: Cristiandad, 1981.
FRAZER, J.G. O Ramo de Ouro. Resumido por S. MacCormack. Trad. W. Dutra. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.
GRIMAL, P. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad.: V. Jabouille. Lisboa: DIFEL, 1993.
IRVING, P.M.C. Metamorphosis in Greek Myths. Oxford: Clarendon Press, 1990.
KERÉNYI, K. Os Deuses Gregos. Trad. O.M. Cajado. São Paulo: Cultrix, 1993.
______. Os Heróis Gregos. Trad. O.M. Cajado. São Paulo: Cultrix, 1993.
KIRK, G.S. La Naturaleza de los Mitos Griegos. Trad.: B.M. Marangall y P. Carranza. Barcelona: Labor, 1992.
LÉVI-STRAUSS, C. Mitológicas - Lo crudo y lo Cocido. México: Fondo de Cultura Económica, 1968.
PANTEL, P.S. (dir.). História das Mulheres: a Antiguidade. Trad.: A. Couto e outros. Porto e São Paulo: Afrontamento e EBRADIL, 1993.
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______. O Universo, os Deuses e os Homens. Trad.: R.F.
Notas
- Apud Irving, o.c. (com leves modificações e pequenos acréscimos).
- Personagem de Luciano de Samósata (séc. II), mais conhecido entre nós pela versão latina de Apuleio (O Asno de Ouro).
- Na variante lendária mais conhecida, as Plêiades são transformadas em estrelas.
Resumo publicado na extinta revista eletrônica Scripta Manent, Araraquara, v. 4, n. 1, p. 7, 2003.