Madressilva, de Marie de France

Marie de France (1150-1200) é a mais antiga poetisa da língua francesa, conhecida por seus lais[1] em langue d'oïl sobre a “matéria da Bretanha”. Madressilva (c. 1160) canta os amores de Tristão e Isolda, mito de origem celta posteriormente incorporado ao ciclo arturiano. Reproduzo, aqui, apenas os versos 49-78.

Tristão e Isolda
Tristram and Isoude at King Arthur's court, 1862. Vitral de William Morris (1834-1896). Keighley, Cliffe Castle Museum. Wikimedia Commons, domínio público.

[172b]   No caminho que ele sabia 50 Que o cortejo passar devia, Cortou um ramo de aveleira2 ao meio, Fendeu-o até desbastá-lo todo E quando ele teve o bastão aparado, Com sua faca escreveu seu nome. 55 Se o notasse a rainha, Que presta enorme atenção nessas coisas — Outra vez já aconteceu De assim tê-lo percebido — Do seu amigo3 bem reconheceria 60 O bastão, quando o olhasse. Essa foi a essência do escrito Que ele lhe mandou e dizia4 que esteve nesse lugar por longo tempo e lá esperou e viveu 65 para esperar e para saber como ele a poderia ver pois sem ela não podia viver. Os dois eram bem assim Como a madressilva5 70 Que à aveleira se prende: Quando ela está enlaçada e presa E em volta de todo o tronco colocada, Juntos podem viver muito tempo Mas se depois quiserem separá-los 75 A aveleira morre prematuramente E a madressilva, igualmente. [172c] “Bela amiga, assim é conosco: Nem vós sem mim, nem eu sem vós.”

Notas

  1. O lai é um poema narrativo curto, em versos octassílabos, usualmente cantado pelos jograis durante a Idade Média.
  2. Árvore da família das betuláceas, de conotação mágica; seu fruto é a avelã.
  3. Na poesia trovadoresca medieval, “amigo” e “amiga” designam, respectivamente, o amado e a amada.
  4. I.e., “significava”; o bastão com o nome gravado, utilizado outras vezes, era um código que subentendia a mensagem dos versos seguintes.
  5. A madressilva é usualmente uma trepadeira da família das caprifoliáceas, perfumada, colorida e de néctar adocicado que se enrola em troncos e ramos de árvores e arbustos.

Chevrefoil

[172b]   Sur le chemin que il saveit 50 Que la rute passer deveit, Une codre trencha parmi, Tute quarreïe l'a fendi Quant il ad paré le bastun, De sun cutel escrit sun nun. 55 Se la reïne s'aparceit, Ki mut grant garde s'en perneit : Autre feiz li fu avenu, Que si l'aveit aparceü — De sun ami bien conustra, 60 Le bastun, quant ele le vera. Ceo fu la summe de l'escrit Qu'il li aveit mandé e dit Que lunges ot ilec esté E atendu e surjurné 65 Pur espïer e pur saveir Coment il la peüst veeir Kar ne poeit vivre sanz li. D'euls deus fu il tut autresi Cume del chievrefoil esteit 70 Ki à la codre se perneit : Quant il s'i est laciez e pris E tut entur le fust s'est mis, Ensemble poënt bien durer Mes ki puis les voelt desevrer 75 Li codres muert hastivement E li chievrefoilz ensement. [172c] “Bele amie, si est de nus : Ne vus sanz mei, ne jeo sanz vus.”

Referências

Amorim, Orlando Nunes de. O lai da madressilva, de Marie de France: tradução e comentários. Olhar 2.3, 2000, p. 1-8. [disponível on-line]

Gilbert, Dorothy. Marie de France. Poetry. New York / London: Norton, 2015, p. .

Rychner, Jean (ed.). Les lais de Marie de France. Paris: Honoré Champion, 1983, p. 151-4.

Vincensini, Jean-Jacques; Poirier, Rémi (ed.). Marie de France et Louise Labé: Lais et Sonnets. Paris: Flammarion, 2020, p. 85-9.